domingo, 20 de maio de 2012

A terrível ameaça da volta dos radares

Nesta semana, ouvi no rádio que a prefeitura de nossa capital está tomando as providências para o retorno da fiscalização eletrônica do trânsito. Óbvio, o assunto incomoda muita gente. Infelizmente, quase todos que conheço. Pra variar, os radialistas que deram a "má notícia" demonstraram, como em várias outras vezes, que ficariam mais confortáveis não tendo que anunciar tal novidade.

Não posso me dar ao luxo de escrever sobre o tema no momento. Então aproveito um texto que escrevi em junho de 2007. Ele merece alguns reparos, pois foi escrito com pressa, na tentativa de que fosse publicado em tempo hábil. Mesmo assim, acho que sua essência permanece válida para aquele tempo e para hoje.

Um pouco de contexto: naquela época, a prefeitura acabara de reduzir o limite de velocidade em algumas avenidas, que era de 80 km/h, para 60 km/h. Isso gerou revolta entre os motoristas, e estes contaram com o apoio irresponsável e demagógico de grande parte da imprensa local.


Radares, demagogia e honestidade

Antes de tudo: não tenho nenhuma simpatia política ou pessoal por quem governa atualmente Aracaju ou Sergipe. Nem pelos que governavam antes. Portanto, nada do que digo aqui pretende defender os grupos políticos que sustentam ou sustentavam esses governos. Também adianto que sou totalmente contra o uso de multas de trânsito como forma de arrecadação para os cofres públicos, pois isso faz o governante desejar o maior número possível de infrações, que ao ser multadas só aumentam a receita do órgão público interessado. Quero deixar claro que minha maior preocupação reside do lado de cá, no que se passa na cabeça do cidadão, e na forma demagógica como o assunto tem sido tratado pela imprensa aracajuana.

Meu primeiro questionamento é sobre a queixa de que a SMTT não educa e prefere multar. De que tipo de educação estamos falando? Vejamos: qual motorista não sabe que tem de obedecer a uma placa que limita a velocidade de uma via a 20, 40, 60 ou – vá lá – 80 km/h? Ou que tem de parar diante da faixa de pedestre para que este atravesse? Ou que é proibido ultrapassar em via com faixa contínua? Eu já vi reportagens de TV em que motoristas flagrados em infrações como essas reclamam que em vez de ser multados deveriam ser educados. Mas se um motorista não sabe alguma dessas regras, não deveria estar sequer habilitado, quanto mais dirigindo! E se sabe, não há porque exigir ser educado para obedecer. Tem de obedecer e pronto. Saber não basta? É preciso que o motorista passe meses ou anos sendo adulado por guardas gentis, que não multam ninguém, e que só repetem o que todo motorista já está careca de saber, para que todos se convençam de que as leis de trânsito precisam ser respeitadas? Perdão, mas o nome disso é cinismo.

Meu segundo questionamento é que a imprensa local é totalmente tendenciosa ao ficar claramente do lado de quem reclama da possibilidade de ser multado. O que queremos então? A impunidade? Queremos que a sinalização, da placa ou do semáforo, valha somente pra quem quiser obedecer? É só uma sugestão? Quem quiser desobedecer, pode? É pra ficar por isso mesmo? Que tipo de trânsito os jornais estão defendendo? Não se vê uma palavra de reprovação ao comportamento de motoristas que fazem de Aracaju uma cidade com mortalidade no trânsito duas vezes maior que a de São Paulo! Lamentável. Em países civilizados, infração de trânsito é crime1 que além de multa dá cadeia, de onde você só sai pagando fiança, como tantas vezes vemos acontecer com celebridades mundiais flagradas nessa situação. Aqui, um país campeão mundial em mortes no trânsito, jornalistas e políticos ganham a simpatia da população ao exigir menos rigor na aplicação da lei. Esse é um tipo de demagogia extremamente perniciosa, porque privilegia o desejo de impunidade ao custo de dezenas de milhares de vidas por ano.

Diminuindo os limites de velocidade em Aracaju, a SMTT apenas corrigiu uma situação que era realmente ilegal2, porque a lei de trânsito determina que nas cidades o limite de 80 km/h só deve existir em vias3 onde não há cruzamentos, semáforos nem passagem de pedestres. Até o acesso a essas vias deve se dar por pistas paralelas, jamais por entradas laterais. Aracaju simplesmente não tem avenidas assim. Obviamente, o trânsito de Aracaju já não comporta pistas tão lentas como as atuais. Então nossa cobrança deveria ser pela criação de vias rápidas para escoar melhor o tráfego, jamais pela desobediência generalizada às leis de trânsito. Por exemplo, exigir que não haja radar ou que ele seja anunciado com antecedência e que esteja bem visível é como exigir que não haja polícia ou que ao menos ela avise ao criminoso antes de agir, para que este tenha tempo de esconder as provas do seu crime. O motorista não pode se sentir no direito de ignorar a placa que limita a velocidade e fingir que a respeita somente onde há radar. O nome disso é desonestidade, que infelizmente virou lei por pressão de uma sociedade que prefere não ser cobrada pelas infrações que comete.

Ao cidadão que se sente lesado pela SMTT, eu aconselho: não ultrapasse a velocidade permitida, não avance o sinal, respeite a faixa de pedestre, não ultrapasse em local proibido, etc. Agindo assim, nenhum centavo seu vai parar nos cofres da prefeitura. Mesmo que haja um radar invisível em cada esquina ou a cada cinqüenta metros. Obedeça à lei pelo desejo de ser decente. Nosso país precisa de gente assim. Se, ao invés disso, brigamos pelo direito de desobedecer impunemente à lei, estamos legitimando toda a corrupção que arrasa o nosso país. Não podemos reclamar de políticos trambiqueiros e ao mesmo tempo exigir o direito de sermos trambiqueiros no trânsito. Pois, como diz o Evangelho (permitam-me a referência religiosa neste espaço laico), só merece confiança no muito quem é fiel e honesto no pouco.

1 Na verdade, nem toda infração; mesmo aqui, algumas infrações são crime.
2 Não sou profissional do Direito, mas uma consulta posterior me fez perceber que talvez não houvesse ilegalidade. Ver CBT (Lei 9.503/1997), art. 60, §2º. A meu ver, no entanto, havia no mínimo irresponsabilidade.
3 Ver CBT, artigos 60 e 61, e a definição “VIA DE TRÂNSITO RÁPIDO” no Anexo I.

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