sexta-feira, 10 de junho de 2016

O mito do amor materno

Ano passado, tive com amigos um pequeno debate sobre o tema. Gostaria de deixar registradas aqui minhas considerações – só a parte escrita – a respeito.

Assisti à entrevista de Elisabeth Badinter (http://veja.abril.com.br/multimidia/video/o-culto-da-mae-perfeita-e-diabolico-com-as-mulheres-afirma-elisabeth-badinter). Entrevista linda, também por conta da graça da entrevistadora, Betty Milan. Não lembro de uma conclusão da entrevistada que eu não corrobore. Mas, em lógica, é possível chegar a conclusões verdadeiras a partir de premissas falsas (Todo cavalo voa. Pégaso é um cavalo. Logo, Pégaso voa.). A filósofa alicerça sua obra numa premissa falsa.

O amor materno não é mito. O instinto materno não é mito. Se lhes serve de consolo, vale o mesmo para amor e instinto paternos. Vale o mesmo para o amor de um casal. Estão todos fundado no instinto de perpetuação (dica: a homoafetividade desvia-se tanto desse instinto quanto o amor a uma criança adotada). A título de analogia, acrescento que, por instinto de sobrevivência, desenvolvemos o amor entre amigos e até o amor a Deus, exista Deus ou não. Não consigo deixar de mencionar que até torcer para um time se baseia nesse mesmo instinto. Essas coisas estão inscritas no nosso DNA, fazem parte da nossa natureza biológica e ainda não foram anuladas pela racionalidade nem pela cultura. Raios, vocês são psicólogos, nunca ouviram falar de sublimação?

Antes que eu esqueça, esses instintos, de pessoa pra pessoa, variam desde o irrelevante até o inescapável, com uma grande faixa de “normalidade” no meio.

Coisa totalmente diferente é a pressão cultural para que mães sejam amorosas, dedicadas, altruístas, abnegadas, felizes e satisfeitas com a maternidade e, pior ainda, com a subalternidade que esse papel supostamente lhes impõe. Ainda que a opressão de gênero seja removida dessa equação, ser tão “perfeita” é impossível para quase qualquer mulher que já tenha caminhado sobre a face da terra. Mais uma vez: se lhes serve de consolo, nos últimos tempos, os pais – sim, os homens – também têm sofrido essa pressão. Eu sei.

O cerne da nossa discussão foi: o instinto, ou amor, materno é mito? Não. Mil vezes não. Mito é a maternidade idealizada, que permite acusar de desnaturada toda mãe que não alcança esse “ideal”. Ou seja, toda mãe. “O culto da mãe perfeita é diabólico com as mulheres”.

Num dado momento, C. disse que o papel desse instinto é mínimo, que o componente cultural é preponderante. Se, por mínimo, C. quer dizer minoritário, eu concordo. Cérebros enormes e milênios de cultura têm suplantado em grande medida nossa programação genética, inclusive nos aspectos relacionados a maternidade, paternidade, reprodução e a diversas formas de amor. Nesse caso, nossa discussão girou em torno de diferenças de linguagem, e só.

Mas se mínimo quer dizer ínfimo ou irrelevante, discordo frontalmente, e pelas poucas razões acima. Nossa discussão, nesse caso, não gira em torno de diferenças de linguagem, mas do peso que damos aos componentes de uma realidade. Negar o que não pode ser negado, em nome de sei lá quantas elaborações mais ideológicas do que científicas, só leva a propor soluções erradas para problemas que já são difíceis o suficiente sem essas distorções, quanto mais com elas.

O mito do amor materno é um ótimo título pra vender um livro, mas só pode ser tomado como verdade se interpretado como “a concepção usual de como deve ser a maternidade é um mito”. Se entendido como “o amor materno não é natural, mas uma mera construção cultural”, trata-se apenas de um slogan ideológico sem amparo na realidade. Parafraseando C., é cansativo desenterrar o óbvio oculto sob um amontoado de slogans.

Destaque

Todas as famílias da Terra

Grandes foram as civilizações da Mesopotâmia: Suméria, Acádia, Assíria, Babilônia; imortais, os seus nomes: Gilgamés, Sargão, Hamurábi, Assu...