quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Um estupro “desejável”

Tem sido assunto desde terça-feira: Jair Bolsonaro (PP-RJ) disse que não estupra Maria do Rosário (PT-RS) porque ela não merece. Tal coisa, dita da tribuna da Câmara, não merece menos que cassação por quebra de decoro parlamentar. Espero que aconteça. Mas eu quero chamar atenção pra outra coisa: o sentido do que ele disse parece ter escapado a todo mundo que comentou o assunto na imprensa, até onde pude acompanhar. Ou, por outra, acharam desnecessário ou inconveniente evidenciar esse sentido. De minha parte, penso o contrário: é preciso esmiuçar e denunciar o absurdo contido nessa ofensa.

Primeiro, o caso traz à lembrança o horrendo preconceito alimentado por muita gente de que há mulheres que merecem, sim, ser estupradas. São as que “não se dão ao respeito”, as “sem-vergonha” que se vestem de forma provocante e depois reclamam do assédio masculino e até, vejam que absurdo!, de serem eventualmente estupradas. Todos os comentários que vi parecem remeter a essa interpretação. Não foi o caso. Não foi o que ouvi. Foi pior.

O que Bolsonaro quis dizer é que Maria do Rosário pertence àquela categoria de mulheres que, de tão feias, tão indesejáveis, tão intragáveis, não merecem “a honra, o gozo, o prazer” de ser estupradas. Ainda mais por um “gatão” como ele. Na escala de valores deturpada desse sociopata, ela está abaixo das que “merecem” o estupro, que já estão por sua vez muito abaixo das mulheres “decentes”. Ratifica-se então a inacreditável “piada” de Rafinha Bastos, quando este afirmou que algumas mulheres deveriam dar graças a Deus pela “oportunidade” de ser estupradas. Com o agravante de que, na fala de Bolsonaro, subentende-se que a feiura atribuída a Maria do Rosário é também de ordem moral.

Ao comentar o assunto com um colega, ele me disse que ontem Bolsonaro se “explicou”. E sua “justificativa” confirma a minha leitura do caso. Continuo sem entender por que ninguém se adiantou a explicitar tal descalabro, que ofende as mulheres de um modo inimaginável, dado o cargo de quem as ofendeu e o lugar em que a ofensa foi proferida. Se eu fosse um deputado, a única chance de ele escapar da cassação seria ele ajoelhar-se no milho e pedir perdão por tudo que é mais sagrado. E olhe lá. Se os seus pares não o fizerem, espero ao menos que a justiça o condene civil e criminalmente. Quem sabe, depois disso, os demais parlamentares se animem a livrar o País de tamanho calhorda.

Concluo pedindo perdão por um texto com tantas aspas. É que a torpeza do incidente torna impróprio o sentido original de muitas palavras. Faltam, ao menos no meu pobre vocabulário, substitutas adequadas. Vi-me diante do inominável.


PS: Na última virada de ano, um professor universitário e “intelectual” que se diz de esquerda expressou em rede social seu desejo de que Rachel Sheherazade fosse estuprada. O caso ganhou repercussão mínima. Talvez porque uma jornalista de direita e, ainda por cima, evangélica – não sei o que é pior – mereça mesmo ser estuprada. Pra quem não sabe ler, advirto: isto é uma ironia.

domingo, 27 de abril de 2014

Marquinh05: Que você vai ser quando crescer, filho?

Quando descobri o texto abaixo, Dilma já era presidente. Mas, nesta era da mediocridade, esse texto brilhante ainda não ficou anacrônico. Para divertir e fazer refletir...

Que você vai ser quando crescer, filho?

- Presidente da República, pai.
- Puxa, filho, que legal. Mas por quê?
- Pra não precisar estudar.
- Não, filho, não é bem assim. Precisa estudar muito.
- Então quero ser vice-presidente.
- Vice, filho? Por quê?
- Pra não precisar estudar. O José de Alencar também só foi até a quinta série primária. Já posso parar.
- Não é assim, filho. Ele trabalhou muito e aprendeu.
- Pai, todo mundo que se dá bem não estudou: o presidente, o vice, a Xuxa, o Kaká, o Zeca Pagodinho…
- É que eles têm um talento…
- Ah, entendi, estudar é para quem não tem talento?
- Não, filho, pelo amor de Deus. Artista é diferente.
- O presidente e o vice não são artistas.
- Não, quer dizer, o presidente, de certo modo, até é.
- Se eu estudar, vou ganhar mais do que o Kaká?
- Menos.
- Ah, é? Então quero ir já para a escolinha.
- Você já está numa boa escola, filho.
- Quero ir pra escolinha de futebol.
- Não, filho, você precisa estudar muito. A escola abre caminhos para as pessoas. Pode-se viver dignamente.
- Acho que vou querer ser corrupto.
- Meu Deus, filho, não diga isso nem de brincadeira!
- Na TV disseram que ninguém se dá mal por causa da corrupção e que tudo sempre termina em pizza. Adoro pizza. Quando for corrupto, pedirei só de quatro queijos.
- Ser corrupto é muito feio, meu filho.
- Ué, pai, se é feio assim, por que Brasília está cheia deles e quase todos conseguem ser reeleitos?
- É complicado de explicar, Wilk. Mas isso vai mudar.
- Quero ser corrupto e praticar nepotismo.
- Cale a boca, filho, de onde tira essas barbaridades?
- É só olhar televisão, pai. O Sarney pratica nepotismo e é presidente do Senado. Ninguém pode mexer com ele.
- Mas você sabe o que é nepotismo, filho?
- Sei. É empregar os parentes da gente.
- E você quer fazer isso?
- Claro. Assim ia acabar com os vagabundos da família.
- Filho, você precisa ter bons valores. Pense numa profissão, numa coisa honesta e que seja respeitada. Não quer ser médico, dentista ou, sei lá, engenheiro?
- Não. De jeito nenhum. Tô fora, pai!
- Mas por que, filho?
- Eles nunca vão no Faustão.
- Isso não tem importância, filho. Que tal bombeiro?
- Vou querer ser astronauta ou jornalista.
- Hummm… Jornalista? Por que mesmo, filho?
- Não precisa mais ter diploma pra ser jornalista.

Reproduzido com autorização do autor.
Original em http://marquinh05.com/que-voce-vai-ser-quando-crescer-filho/

domingo, 13 de abril de 2014

AGLACY MARY: Espelho meu. Ou, Eu me soube negra bem cedo

Ok, eu costumo falar bem mal da nossa esquerda. Deve ser porque ela hoje está no poder. Se não fossem eles, eu certamente estaria falando mal dos outros. Sim, daqueles que, de boa vontade ou não, costumam ser identificados com a direita. Leio vários colunistas desse lado do espectro político. E poucas coisas me incomodam tanto neles do que a insistência de que no Brasil não existem racismo, machismo, homofobia, discriminação social... Tudo isso é mentira de grupos fascistoides de esquerda, claro.

Conheço uma pessoa cuja honestidade paira acima da dúvida. E que é muito grande pra ficar lamentando miudezas, pra se vitimizar. Daí que seja moderada em suas referências a essas questões. Mas o testemunho dela é um sonoro alerta para quem se vê tentado a negar o óbvio: somos um país de ódios escondidos, camuflados. Só por isso é possível dizer que eles não existem.

AGLACY MARY: Espelho meu. Ou, Eu me soube negra bem cedo: Eu me soube negra bem cedo, antes do interrogatório a que a adolescência submete o espelho. Isso me deu chão onde pisar e crescer, m...

domingo, 23 de março de 2014

A arte é de esquerda?

Caros amigos,

Antes, um pouco de história. No Brasil, vivemos 21 anos de uma ditadura odienta, cuja "inauguração" completa, em poucos dias, 50 anos. Todos os bem-pensantes deste país se colocaram contra aquele regime autoritário. Na vanguarda da oposição intelectual, destacaram-se nossos melhores artistas. Até aí, tudo bem. Mas essa história nos deixou um triste legado...

Que foi o seguinte: sendo aquela ditadura "de direita", porque instaurada para "salvar" o Brasil do comunismo, criou-se uma dicotomia que perdura até hoje. A direita é o mal, a esquerda é o bem. E esse mantra fincou raízes profundas no meio artístico-intelectual, herdeiro da resistência à ditadura. Nesse meio, ainda se cultiva um discurso eminentemente socialista, revolucionário, anti-imperialista, antiamericano, anticapitalista. Ser artista, dos que se creem merecedores dessa alcunha (psiricos e assemelhados não entram!), é ser "alternativo" e, portanto, contra "tudo isso que aí está". Daí que os discursos "de esquerda" sejam sempre mais atrativos nesses círculos.

Por conta disso, vê-se no meio artístico-intelectual uma flagrante condescendência com desumanidades aberrantes, como o regime cubano e seus trocentos presos políticos, seu partido único, seu jornal único, sua polícia política; com a transformação de Cuba numa gigantesca Alcatraz de onde a maioria só pode sair com enorme risco de vida. A mesma benevolência é dedicada aos regimes bolivarianos, especialmente o da Venezuela, que devastou o país e submeteu sua população a um governo autoritário, personalista, perseguidor, totalitário, assassino. Do mesmo modo, nosso governo petista recebe salvo-conduto moral de toda uma classe artística, mesmo quando rouba, corrompe, corrompe-se, censura, mente, persegue, mata, prende desertores cubanos e os devolve a Fidel, atenta contra a vida de perseguidos políticos de regimes "companheiros", distorce o sentido claro do que seja democracia pra admitir no Mercosul a ditadura venezuelana enquanto isola o Paraguai, afaga monstros como Ahmadinejad e Kadafi só porque eles são antiamericanos... A lista é longa.

Raios, por que essas barbaridades são toleradas em vez de denunciadas como absolutamente inaceitáveis?! Porque a esquerda é o "bem", a mídia é mentirosa, o capital é a raiz de todos os males, os Estados Unidos são o Grande Satã... E a arte está do lado do bem, claro. Então a arte que mereça esse nome é de esquerda, claro. Se a esquerda, eventualmente, se vale de meios torpes, bem, sabe como é: os fins...

Recuso-me terminantemente a aceitar esse modus cogitandi. Quem quer que se valha da mentira, da corrupção, do populismo, da censura, da perseguição, da intimidação e até do assassinato sempre receberá meu repúdio. Não me importa que ideologia defenda, de que cor se vista, de que lado esteja. Não será do meu. E por isso tenho sido veemente e insistente em compartilhar notícias e opiniões que coloquem a nu o absurdo a que nos trouxe essa complacência com o injustificável. Não posso me dar ao luxo de me dizer artista ou intelectual, mas tenho vários amigos que podem, e peço encarecidamente a estes que deixem de lado essa nostalgia de um passado heroico em que o "bem" estava supostamente do lado esquerdo da política. Naquele mesmíssimo tempo, no Leste Europeu, artistas e intelectuais que faziam jus a ser assim chamados vergavam sob o peso de ditaduras ainda mais nefastas do que a nossa. E de "esquerda".

O lugar da arte e do pensamento não é ao lado da esquerda. Nem da direita. A arte, mais que tudo, tem de se pôr ao lado da liberdade, da verdade, da humanidade, dos direitos humanos, da vida. E defender esses valores onde quer que eles sejam ameaçados. Por quem quer que seja. Sem lealdades partidárias ou a figuras míticas de revoluções pretensamente redentoras.

A suposta identificação da arte com a esquerda socialista-marxista-revolucionária é totalmente equivocada. Essa ideologia sempre foi avessa à verdadeira arte. Um exemplo só: lembro-me bem da saudosa Rachel de Queiroz, dizendo em entrevista a Jô Soares por que largou o Partido Comunista ainda em sua juventude. Eles queriam interferir no que ela escrevia, transformar sua obra em mera peça de propaganda cultural das ideias do partido. Ela lhes deu uma banana e foi viver sua vida e sua arte. Como todo artista e livre-pensador deve fazer.

Nessa mesma entrevista, Rachel de Queiroz disse que não havia diferença real entre um stalinista e um integralista (quem conhece a história sabe do que se trata). Traduzindo para nossos dias: esquerda e direita, quando se valem de métodos autoritários, mentirosos e corruptos, são indistinguíveis.

Optem pelo bem. O verdadeiro.

PS: Este texto foi motivado pelo apelo de uma artista ("A neutralidade é imoral").

sábado, 18 de janeiro de 2014

Trânsito, radar e "bom senso" (parte 7)

Por motivos de força maior, deixei pendente por muito tempo o desenvolvimento deste tema (e do blog). Retomo as duas coisas agora. O texto merece alguns reparos, mas trata-se de um e-mail, não de um artigo; então preferi preservar muitos dos defeitos típicos da escrita informal e apressada do correio eletrônico. Merece reparo também a descrição que faço de uma via pela qual trafegava diariamente na época do texto. Muita coisa mudou desde então: sinalização, limite de velocidade, fiscalização eletrônica (na verdade, a ausência dela)... Para melhor, mudou o comportamento dos motoristas: embora muitos ainda não respeitem a faixa, a maioria também não quer mais assassinar quem dá a devida preferência ao pedestre. Já é um ganho e tanto.

----- Original Message -----
From: Rosivaldo Fernandes Alves
To: c.@yahoogrupos.com.br
Sent: Thursday, September 27, 2007 10:01 PM
Subject: RES: [c.] Re: Off-topic: Semana de trânsito


F., :-)

A SMTT e a polícia não são equivalentes. Analogia não é equivalência. Uso analogia para esclarecer: o cidadão tem deveres para com os outros cidadãos, que devem ser cumpridos mesmo que o governo não cumpra sua parte, e os cidadãos devem exigir punição para o cidadão que descumpre seu dever para com os outros cidadãos. O que toda a imprensa sergipana fez, como também faz esse discurso de dizer que radar não deveria existir enquanto a SMTT não fizer sua parte, é exigir impunidade para os infratores. E essa impunidade é exigida porque nossa sociedade tem uma cultura que privilegia a impunidade, o passar a mão na cabeça, o dar um jeitinho. E nós temos essa cultura porque nossa indiferença para com as leis é tão generalizada que sabemos que mais cedo ou mais tarde todos nós vamos precisar dessa condescendência. Então, todos somos "compreensivos" com os que "erram", já que qualquer um de nós poderia estar no lugar deles.

Repito: não sou um alienígena. Eu dirijo, e vejo o que os outros motoristas fazem no trânsito. 90% deles jamais poderiam sair de casa e voltar sem ter ao menos cinco multas nas costas. E isso nada tem a ver com má sinalização. Seu exemplo, embora corretíssimo, nada tem a ver com o que ocorre no dia a dia. No São Conrado, todo santo dia passo por um trecho em que os motoristas são avisados centenas de metros antes, duas vezes, dos dois lados da pista: velocidade máxima, 40 km/h. Pelo simples fato de que à frente o condutor vai passar por uma área estreita, com grande aglomeração e movimentação de pessoas, travessia de pedestres, inclusive crianças indo à escola e voltando dela, além de pontos de ônibus em calçadas estreitas de uma avenida curva. Passo o primeiro aviso, ninguém reduz pra 40. Desculpe-me a presunção: apenas eu. Passo o segundo: reduzem, apenas porque à frente há uma lombada eletrônica. Não querem que o radar os pegue. Imediatamente após a lombada eletrônica, há uma faixa de pedestres à qual ninguém obedece. Porque ninguém obedece, há um quebra-molas imediatamente após a lombada, o que é a maior prova do nível troglodita de nossa civilização. Como o quebra-molas não é suficiente para os motoristas terem a decência de parar para os pedestres que desejam atravessar a rua, frequentemente é necessária a presença de agentes de trânsito parando os carros à força, para que a faixa seja respeitada. Não me venha falar que nossos motoristas fazem absurdos pela falta de sinalização. Essas coisas são pura e simples falta de educação mesmo.

Eu sou um dos pouquíssimos imbecis que para em toda faixa de pedestres sempre que algum quer atravessar. O direito é dele. Ninguém jamais bateu no fundo do meu carro, porque eu tomo a precaução de reduzir com antecedência e observar se posso parar com segurança. Inúmeros motoristas já me deram buzinaços e já fui alvo de inúmeros xingamentos. No mesmo São Conrado, há mais duas faixas de pedestres além da que fica junto à lombada. Paro nessas também. Um dia, um motorista de um carro da SMTT me deu um buzinaço, me xingou e sinalizou que era absurdo eu parar em duas faixas de pedestres consecutivas, atrapalhando o precioso parcurso dele. Coisas como essa só confirmam o que eu estou careca de saber: dos supostos "cidadãos" (as aspas são porque nós não temos esse tipo de coisa de verdade por aqui) aos agentes públicos, todo mundo só está preocupado com o próprio umbigo. Todos se lixam para o "outro".

Eu não fico incondicionalmente ao lado da lei. Fico incondicionalmente ao lado do direito, da justiça e da ética. Tenho inteligência suficiente para perceber quando uma lei é absurda e sou capaz de denunciá-la por isso. Não me falta bom senso. O que eu tenho é educação.

Um abraço,

Rosivaldo.
[P.S.]: No São Conrado, há placas que indicam a presença das faixas de pedestres com bastante antecedência, bem como ao lado das próprias.

-----Mensagem original-----
De: c.@yahoogrupos.com.br [mailto:c.@yahoogrupos.com.br]Em nome de R. de A. R.
Enviada em: quinta-feira, 27 de setembro de 2007 10:53
Para: calicomp@yahoogrupos.com.br
Assunto: Re: [calicomp] Re: Off-topic: Semana de trânsito

(...)

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