Tem sido assunto desde terça-feira: Jair
Bolsonaro (PP-RJ) disse que não estupra Maria do Rosário (PT-RS)
porque ela não merece. Tal coisa, dita da tribuna da Câmara,
não merece menos que cassação por quebra de decoro parlamentar.
Espero que aconteça. Mas eu quero chamar atenção pra outra coisa:
o sentido do que ele disse parece ter escapado a todo mundo que
comentou o assunto na imprensa, até onde pude acompanhar. Ou, por
outra, acharam desnecessário ou inconveniente evidenciar esse
sentido. De minha parte, penso o contrário: é preciso esmiuçar e
denunciar o absurdo contido nessa ofensa.
Primeiro, o caso traz à lembrança o horrendo
preconceito alimentado por muita gente de que há mulheres que
merecem, sim, ser estupradas. São as que “não se dão ao
respeito”, as “sem-vergonha” que se vestem de forma provocante
e depois reclamam do assédio masculino e até, vejam que absurdo!,
de serem eventualmente estupradas. Todos os comentários que vi
parecem remeter a essa interpretação. Não foi o caso. Não foi o
que ouvi. Foi pior.
O que Bolsonaro quis dizer é que Maria do Rosário
pertence àquela categoria de mulheres que, de tão feias, tão
indesejáveis, tão intragáveis, não merecem “a honra, o gozo, o
prazer” de ser estupradas. Ainda mais por um “gatão” como ele.
Na escala de valores deturpada desse sociopata, ela está abaixo das
que “merecem” o estupro, que já estão por sua vez muito abaixo
das mulheres “decentes”. Ratifica-se então a
inacreditável “piada” de Rafinha Bastos, quando este afirmou
que algumas mulheres deveriam dar graças a Deus pela “oportunidade”
de ser estupradas. Com o agravante de que, na fala de Bolsonaro,
subentende-se que a feiura atribuída a Maria do Rosário é também de
ordem moral.
Ao comentar o assunto com um colega, ele me disse
que ontem Bolsonaro
se “explicou”. E sua “justificativa” confirma a minha
leitura do caso. Continuo sem entender por que ninguém se adiantou a
explicitar tal descalabro, que ofende as mulheres de um modo
inimaginável, dado o cargo de quem as ofendeu e o lugar em que a
ofensa foi proferida. Se eu fosse um deputado, a única chance de ele
escapar da cassação seria ele ajoelhar-se no milho e pedir perdão
por tudo que é mais sagrado. E olhe lá. Se os seus pares não o
fizerem, espero ao menos que a justiça o condene civil e
criminalmente. Quem sabe, depois disso, os demais parlamentares se
animem a livrar o País de tamanho calhorda.
Concluo pedindo perdão por um texto com tantas aspas. É que a torpeza do incidente torna impróprio o sentido original de muitas palavras. Faltam, ao menos no meu pobre vocabulário, substitutas adequadas. Vi-me diante do inominável.
PS: Na última virada de ano, um professor
universitário e “intelectual” que
se diz de esquerda expressou em rede social seu
desejo de que Rachel Sheherazade fosse estuprada. O
caso ganhou repercussão mínima. Talvez porque uma jornalista de
direita e, ainda por cima, evangélica
– não sei o que é pior – mereça mesmo ser estuprada. Pra quem
não sabe ler, advirto: isto é uma ironia.