domingo, 23 de março de 2014

A arte é de esquerda?

Caros amigos,

Antes, um pouco de história. No Brasil, vivemos 21 anos de uma ditadura odienta, cuja "inauguração" completa, em poucos dias, 50 anos. Todos os bem-pensantes deste país se colocaram contra aquele regime autoritário. Na vanguarda da oposição intelectual, destacaram-se nossos melhores artistas. Até aí, tudo bem. Mas essa história nos deixou um triste legado...

Que foi o seguinte: sendo aquela ditadura "de direita", porque instaurada para "salvar" o Brasil do comunismo, criou-se uma dicotomia que perdura até hoje. A direita é o mal, a esquerda é o bem. E esse mantra fincou raízes profundas no meio artístico-intelectual, herdeiro da resistência à ditadura. Nesse meio, ainda se cultiva um discurso eminentemente socialista, revolucionário, anti-imperialista, antiamericano, anticapitalista. Ser artista, dos que se creem merecedores dessa alcunha (psiricos e assemelhados não entram!), é ser "alternativo" e, portanto, contra "tudo isso que aí está". Daí que os discursos "de esquerda" sejam sempre mais atrativos nesses círculos.

Por conta disso, vê-se no meio artístico-intelectual uma flagrante condescendência com desumanidades aberrantes, como o regime cubano e seus trocentos presos políticos, seu partido único, seu jornal único, sua polícia política; com a transformação de Cuba numa gigantesca Alcatraz de onde a maioria só pode sair com enorme risco de vida. A mesma benevolência é dedicada aos regimes bolivarianos, especialmente o da Venezuela, que devastou o país e submeteu sua população a um governo autoritário, personalista, perseguidor, totalitário, assassino. Do mesmo modo, nosso governo petista recebe salvo-conduto moral de toda uma classe artística, mesmo quando rouba, corrompe, corrompe-se, censura, mente, persegue, mata, prende desertores cubanos e os devolve a Fidel, atenta contra a vida de perseguidos políticos de regimes "companheiros", distorce o sentido claro do que seja democracia pra admitir no Mercosul a ditadura venezuelana enquanto isola o Paraguai, afaga monstros como Ahmadinejad e Kadafi só porque eles são antiamericanos... A lista é longa.

Raios, por que essas barbaridades são toleradas em vez de denunciadas como absolutamente inaceitáveis?! Porque a esquerda é o "bem", a mídia é mentirosa, o capital é a raiz de todos os males, os Estados Unidos são o Grande Satã... E a arte está do lado do bem, claro. Então a arte que mereça esse nome é de esquerda, claro. Se a esquerda, eventualmente, se vale de meios torpes, bem, sabe como é: os fins...

Recuso-me terminantemente a aceitar esse modus cogitandi. Quem quer que se valha da mentira, da corrupção, do populismo, da censura, da perseguição, da intimidação e até do assassinato sempre receberá meu repúdio. Não me importa que ideologia defenda, de que cor se vista, de que lado esteja. Não será do meu. E por isso tenho sido veemente e insistente em compartilhar notícias e opiniões que coloquem a nu o absurdo a que nos trouxe essa complacência com o injustificável. Não posso me dar ao luxo de me dizer artista ou intelectual, mas tenho vários amigos que podem, e peço encarecidamente a estes que deixem de lado essa nostalgia de um passado heroico em que o "bem" estava supostamente do lado esquerdo da política. Naquele mesmíssimo tempo, no Leste Europeu, artistas e intelectuais que faziam jus a ser assim chamados vergavam sob o peso de ditaduras ainda mais nefastas do que a nossa. E de "esquerda".

O lugar da arte e do pensamento não é ao lado da esquerda. Nem da direita. A arte, mais que tudo, tem de se pôr ao lado da liberdade, da verdade, da humanidade, dos direitos humanos, da vida. E defender esses valores onde quer que eles sejam ameaçados. Por quem quer que seja. Sem lealdades partidárias ou a figuras míticas de revoluções pretensamente redentoras.

A suposta identificação da arte com a esquerda socialista-marxista-revolucionária é totalmente equivocada. Essa ideologia sempre foi avessa à verdadeira arte. Um exemplo só: lembro-me bem da saudosa Rachel de Queiroz, dizendo em entrevista a Jô Soares por que largou o Partido Comunista ainda em sua juventude. Eles queriam interferir no que ela escrevia, transformar sua obra em mera peça de propaganda cultural das ideias do partido. Ela lhes deu uma banana e foi viver sua vida e sua arte. Como todo artista e livre-pensador deve fazer.

Nessa mesma entrevista, Rachel de Queiroz disse que não havia diferença real entre um stalinista e um integralista (quem conhece a história sabe do que se trata). Traduzindo para nossos dias: esquerda e direita, quando se valem de métodos autoritários, mentirosos e corruptos, são indistinguíveis.

Optem pelo bem. O verdadeiro.

PS: Este texto foi motivado pelo apelo de uma artista ("A neutralidade é imoral").

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