Caros amigos,
Antes, um pouco de história. No Brasil, vivemos
21 anos de uma ditadura odienta, cuja "inauguração" completa, em poucos
dias, 50 anos. Todos os bem-pensantes deste país se colocaram contra
aquele regime autoritário. Na vanguarda da oposição intelectual,
destacaram-se nossos melhores artistas. Até aí, tudo bem. Mas essa
história nos deixou um triste legado...
Que foi o seguinte: sendo
aquela ditadura "de direita", porque instaurada para "salvar" o Brasil
do comunismo, criou-se uma dicotomia que perdura até hoje. A direita é o
mal, a esquerda é o bem. E esse mantra fincou raízes profundas no meio
artístico-intelectual, herdeiro da resistência à ditadura. Nesse meio,
ainda se cultiva um discurso eminentemente socialista, revolucionário,
anti-imperialista, antiamericano, anticapitalista. Ser artista, dos que
se creem merecedores dessa alcunha (psiricos e assemelhados não
entram!), é ser "alternativo" e, portanto, contra "tudo isso que aí
está". Daí que os discursos "de esquerda" sejam sempre mais atrativos
nesses círculos.
Por conta disso, vê-se no meio
artístico-intelectual uma flagrante condescendência com desumanidades
aberrantes, como o regime cubano e seus trocentos presos políticos, seu
partido único, seu jornal único, sua polícia política; com a
transformação de Cuba numa gigantesca Alcatraz de onde a maioria só pode
sair com enorme risco de vida. A mesma benevolência é dedicada aos
regimes bolivarianos, especialmente o da Venezuela, que devastou o país e
submeteu sua população a um governo autoritário, personalista,
perseguidor, totalitário, assassino. Do mesmo modo, nosso governo
petista recebe salvo-conduto moral de toda uma classe artística, mesmo
quando rouba, corrompe, corrompe-se, censura, mente, persegue, mata,
prende desertores cubanos e os devolve a Fidel, atenta contra a vida de
perseguidos políticos de regimes "companheiros", distorce o sentido
claro do que seja democracia pra admitir no Mercosul a ditadura
venezuelana enquanto isola o Paraguai, afaga monstros como Ahmadinejad e
Kadafi só porque eles são antiamericanos... A lista é longa.
Raios,
por que essas barbaridades são toleradas em vez de denunciadas como
absolutamente inaceitáveis?! Porque a esquerda é o "bem", a mídia é
mentirosa, o capital é a raiz de todos os males, os Estados Unidos são o
Grande Satã... E a arte está do lado do bem, claro. Então a arte que
mereça esse nome é de esquerda, claro. Se a esquerda, eventualmente, se
vale de meios torpes, bem, sabe como é: os fins...
Recuso-me terminantemente a aceitar esse modus cogitandi. Quem quer que se valha da mentira, da
corrupção, do populismo, da censura, da perseguição, da intimidação e
até do assassinato sempre receberá meu repúdio. Não me importa que
ideologia defenda, de que cor se vista, de que lado esteja. Não será do
meu. E por isso tenho sido veemente e insistente em compartilhar
notícias e opiniões que coloquem a nu o absurdo a que nos trouxe essa
complacência com o injustificável. Não posso me dar ao luxo de me dizer
artista ou intelectual, mas tenho vários amigos que podem, e peço
encarecidamente a estes que deixem de lado essa nostalgia de um passado
heroico em que o "bem" estava supostamente do lado esquerdo da política. Naquele mesmíssimo tempo, no Leste Europeu, artistas e intelectuais que
faziam jus a ser assim chamados vergavam sob o peso de ditaduras ainda
mais nefastas do que a nossa. E de "esquerda".
O lugar da arte e
do pensamento não é ao lado da esquerda. Nem da direita. A arte, mais
que tudo, tem de se pôr ao lado da liberdade, da verdade, da humanidade,
dos direitos humanos, da vida. E defender esses valores onde quer que
eles sejam ameaçados. Por quem quer que seja. Sem lealdades partidárias
ou a figuras míticas de revoluções pretensamente redentoras.
A
suposta identificação da arte com a esquerda
socialista-marxista-revolucionária é totalmente equivocada. Essa
ideologia sempre foi avessa à verdadeira arte. Um exemplo só: lembro-me
bem da saudosa Rachel de Queiroz, dizendo em entrevista a Jô Soares por
que largou o Partido Comunista ainda em sua juventude. Eles queriam
interferir no que ela escrevia, transformar sua obra em mera peça de
propaganda cultural das ideias do partido. Ela lhes deu uma banana e foi
viver sua vida e sua arte. Como todo artista e livre-pensador deve
fazer.
Nessa mesma entrevista, Rachel de Queiroz disse que não
havia diferença real entre um stalinista e um integralista (quem conhece
a história sabe do que se trata). Traduzindo para nossos dias: esquerda
e direita, quando se valem de métodos autoritários, mentirosos e
corruptos, são indistinguíveis.
Optem pelo bem. O verdadeiro.
PS:
Este texto foi motivado pelo apelo de uma artista ("A neutralidade é imoral").
Ao nosso estado de humanidade, parece que ocorre o mesmo que ocorre às crianças, em seu princípio de vida — comportamentos primitivos são usados como forma de expressão e solução de problemas. Hoje nada justifica aquilo. E a arte, requinte do humano, deve posicionar-se menos à esquerda, menos à direita. O lugar da arte ê dentro. Dentro do artista e da gente.
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