Não é de hoje que o senso comum
ensina ter a natureza uma sabedoria muito superior quando comparada
às nossas pífias artificialidades. Faz todo o sentido. Afinal, quem
somos nós para nos julgarmos melhores que a natureza? Mas eu tenho
um prazer especial em desafiar o senso comum. Não posso perder uma
oportunidade como essa.
Pra começo de conversa, o que
significa a palavra “artificial”? Como toda palavra, esta tem
vários significados, mas vamos ao primitivo. Os demais nasceram por
derivação. Artificial é tudo que se produz “por arte ou
indústria do homem e não por causas naturais”1.
Colocando de uma forma mais etimológica, artificial é o que se faz
com arte, e arte só
um ser humano faz. Resta saber o que é arte. Esta palavra nos evoca
imediatamente obras de pintura, escultura, arquitetura, música,
teatro, cinema, etc. Mas esse sentido também é derivado.
Primitivamente, arte é
tradução da palavra grega τέχνη (téchne),
ou técnica, que “é
o procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo
obter um determinado resultado”2.
O que nós comumente pensamos como arte
tem esse nome porque todo trabalho dito artístico
requer o uso de uma técnica
para que seja realizado3.
Produzir tijolos a partir do barro requer técnica. Pintar a Capela
Cistina também. O tempo e os propósitos se encarregaram de
distinguir uma forma de técnica/arte da outra. Mas é dessa
identidade primitiva entre técnica e arte que nasceu o conceito de
artefato, o que se fez
com arte, o que é
artificial.
Essa
pequena investigação nos permite enxergar em tudo o que é
artificial o resultado de algum procedimento,
simples ou complexo. Ora, não é possível executar um procedimento
sem ter o conhecimento
de como executá-lo. Portanto, toda artificialidade é fruto da
aplicação do conhecimento para algum fim prático. E o conhecimento
é inevitavelmente cumulativo. Um saber se agrega a outro, gerando
novo saber, que origina nova técnica, que gera novos artefatos. É
quase um moto-contínuo. Se há algo de belo na aventura de ser
humano, eu vejo parte dessa beleza em nossa capacidade de criar
soluções para nossos problemas a partir do conhecimento que
acumulamos. E se estamos falando de beleza, vejo aqui reconciliados
técnica e arte, esta última entendida como uma atividade que
cultiva o belo, ou, como diria Platão, o Bem.
Espero
que o compartilhamento desse meu – como direi? – fascínio
permita antever um caminho capaz de reabilitar a nobreza perdida da
ideia de “feito pelo homem”. Há muita arte nas coisas
artificiais.
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