sábado, 27 de agosto de 2011

A natureza contra a arte? (parte 1)

Não é de hoje que o senso comum ensina ter a natureza uma sabedoria muito superior quando comparada às nossas pífias artificialidades. Faz todo o sentido. Afinal, quem somos nós para nos julgarmos melhores que a natureza? Mas eu tenho um prazer especial em desafiar o senso comum. Não posso perder uma oportunidade como essa.
Pra começo de conversa, o que significa a palavra “artificial”? Como toda palavra, esta tem vários significados, mas vamos ao primitivo. Os demais nasceram por derivação. Artificial é tudo que se produz “por arte ou indústria do homem e não por causas naturais”1. Colocando de uma forma mais etimológica, artificial é o que se faz com arte, e arte só um ser humano faz. Resta saber o que é arte. Esta palavra nos evoca imediatamente obras de pintura, escultura, arquitetura, música, teatro, cinema, etc. Mas esse sentido também é derivado. Primitivamente, arte é tradução da palavra grega τέχνη (téchne), ou técnica, que “é o procedimento ou o conjunto de procedimentos que têm como objetivo obter um determinado resultado”2. O que nós comumente pensamos como arte tem esse nome porque todo trabalho dito artístico requer o uso de uma técnica para que seja realizado3. Produzir tijolos a partir do barro requer técnica. Pintar a Capela Cistina também. O tempo e os propósitos se encarregaram de distinguir uma forma de técnica/arte da outra. Mas é dessa identidade primitiva entre técnica e arte que nasceu o conceito de artefato, o que se fez com arte, o que é artificial.
Essa pequena investigação nos permite enxergar em tudo o que é artificial o resultado de algum procedimento, simples ou complexo. Ora, não é possível executar um procedimento sem ter o conhecimento de como executá-lo. Portanto, toda artificialidade é fruto da aplicação do conhecimento para algum fim prático. E o conhecimento é inevitavelmente cumulativo. Um saber se agrega a outro, gerando novo saber, que origina nova técnica, que gera novos artefatos. É quase um moto-contínuo. Se há algo de belo na aventura de ser humano, eu vejo parte dessa beleza em nossa capacidade de criar soluções para nossos problemas a partir do conhecimento que acumulamos. E se estamos falando de beleza, vejo aqui reconciliados técnica e arte, esta última entendida como uma atividade que cultiva o belo, ou, como diria Platão, o Bem.
Espero que o compartilhamento desse meu – como direi? – fascínio permita antever um caminho capaz de reabilitar a nobreza perdida da ideia de “feito pelo homem”. Há muita arte nas coisas artificiais.
3 “Portanto, a técnica confundia-se com a arte, tendo sido separada desta ao longo dos tempos”. IDEM.

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