quarta-feira, 10 de abril de 2019

31 de março de 1964: 7) Havia alternativa ao golpe e à ditadura militar?


Algumas considerações.

1) Foi golpe?

2) Foi errado?

3) Foi ditadura?

4) O regime militar salvou o Brasil do comunismo?

5) Ter combatido o comunismo redime o governo militar de seus crimes?

6) Golpe é golpe. É sério que não é errado nem certo?

7) Havia alternativa ao golpe e à ditadura militar?


Não sei. De novo, começo a pensar nos urubus. Mas eu quero trazer à reflexão as palavras de Richard J. Evans, premiado autor de A Chegada do Terceiro Reich:

“Depois de 20 de julho de 1932, as únicas alternativas realistas eram uma ditadura nazista ou um regime conservador autoritário respaldado pelo Exército. A ausência de qualquer resistência séria por parte dos social-democratas, os principais defensores que sobravam da democracia, foi decisiva.”

Mais à frente, ele reforça:

“Na segunda metade de 1932, um regime militar de alguma espécie era a única alternativa viável à ditadura nazista. (…) Depois de Papen, não havia volta. Havia se criado na Alemanha um vácuo de poder que o Reichstag e os partidos não tinham chance de preencher. O poder político havia se esvaído dos órgãos legítimos da Constituição em parte para as ruas e em parte para a pequena facção de políticos e generais em torno do presidente Hindenburg, deixando um vácuo na vasta área entre ambos, onde acontece a política democrática normal. (…) Numa situação dessas, era provável que só a força obtivesse sucesso. Apenas duas instituições possuíam-na em escala suficiente. Apenas duas instituições poderiam operá-la sem incitar reações ainda mais violentas por parte da massa da população: o Exército e o movimento nazista.”

É claro que Evans não defende que um regime militar seria um regime “bom” para a Alemanha. A questão é que não havia alternativa democrática. Como eu disse, não há democracia possível onde não há quem lute por ela. Ou onde quem luta por ela não tem força para fazê-la prevalecer. Em resumo, Evans diz que uma ditadura militar seria como qualquer ditadura: brutal, violenta, arbitrária, autoritária. Mas não desencadearia sobre a Alemanha e o mundo o horror que o nazismo trouxe. Ainda Evans:

“Mas é improvável que, no saldo geral, uma ditadura militar na Alemanha tivesse deslanchado o tipo de programa genocida que encontrou culminação nas câmaras de gás de Auschwitz e Treblinka.”

As perspectivas para a Alemanha eram tão tenebrosas que, se a alternativa imaginada por Evans tivesse se concretizado, hoje os livros de história poderiam estar condenando sem reservas mais uma ditadura militar sem ter a mínima ideia dos horrores que ela tinha evitado. A propósito, tal ditadura seria apenas mais uma das muitas que pipocaram em toda a Europa de então, nascidas basicamente do mesmo tipo de crise.

E como a Alemanha, em particular, chegou a isso? Atrevo-me a resumir uma coisa muito complexa em duas palavras: comunismo e nazismo. Embora nenhum deles tenha obtido a maioria parlamentar, os partidos Nazista e Comunista haviam se tornado as duas maiores forças políticas da República de Weimar. Ocorre que os dois partidos eram inimigos mortais da “democracia burguesa” (expressão derrogatória que intelectual esquerdista adora usar ainda hoje). Evans continua
 
No geral, o Reichstag ficou ainda menos controlável do que antes. Agora 100 comunistas confrontavam 196 nazistas através da câmara, ambos os lados decididos a destruir um sistema parlamentarista que odiavam e desprezavam.”

Como uma democracia lida, democraticamente, com seus inimigos declarados? Vamos de Evans outra vez:

Joseph Goebbels foi bastante explícito quando ridicularizou em público ‘a estupidez da democracia. Uma das melhores piadas da democracia será sempre ter propiciado a seus inimigos mortais os meios pelos quais foi destruída.’ (…) Democracias sob a ameaça de destruição encaram o dilema insuportável de se render à ameaça insistindo em preservar as sutilezas democráticas ou violar seus princípios restringindo os direitos democráticos.

Os alemães estavam espremidos entre social-democratas que não tinham mais força política, conservadores que não queriam ver repetir-se ali a devastação que o comunismo já tinha feito na Rússia, comunistas que queriam repetir aquela devastação e nazistas que se apresentavam como a única força capaz de botar ordem naquela bagunça, que eles mesmos ajudavam a criar e manter. Não havendo saída democrática possível, apenas escolhas que implicavam uso da força, os alemães fugiram do horror comunista para acolher a salvação oferecida pelos nazistas. Sim, os nazistas “salvaram” a Alemanha do comunismo…

Em suma: há crises das quais não há saída democrática, porque as forças envolvidas não são democráticas. Na menos maligna das hipóteses, uma das forças, ao menos comprometida com a paz social e o respeito à dignidade humana, pode assumir o poder à forçasim, eu estou falando de golpe, revolução, rebelião, intervenção, o que estiver ao alcance, banir do jogo político os agentes antidemocráticos – sim, eu estou falando de cassar mandatos, prender, julgar, condenar, em último caso até executar gente do naipe de nazistas, fascistas, socialistas e comunistas – e manter um estado de exceção até que as condições políticas permitam o retorno à normalidade democrática. Como fazer isso sem degenerar em ditadura e violação sistemática dos direitos humanos? Não sei, coisas tão vastas estão além do meu alcance, e uma hipótese tão benigna não passa disso: uma hipótese. O mais provável é que gente sem apreço por democracia ou direitos humanos usurpe o poder, pretensamente em nome a ordem e da lei, e só largue o osso depois de derramar muito sangue inocente. Ainda assim, é didático observar que constituições perfeitamente democráticas preveem que, em crises muito graves, os poderes constituídos podem recorrer a intervenção, estado de defesa, estado de sítio e medidas igualmente extremas, nas quais muitos direitos democráticos fundamentais podem ser suspensos até que a crise seja debelada.

Fica a lição de que democratas não podem ser ingênuos: seus inimigos não têm o menor pudor de passar por cima deles, de suas leis, de seus direitos humanos, de suas vidas, de tudo que se puser no caminho desses facínoras rumo a sua tirania de estimação.
 

8) “Ditadura nunca mais!”

9) Socialistas nutella

10) “Vá estudar história!”

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